quarta-feira, 31 de julho de 2013

reparai
as mãos são feitas à medida
das caras

- instrumentos de vergonha
e de reconforto -

as palmas assentam nas faces
e os dedos afinam pelo
diapasão das pálpebras aveludadas

que bela máquina somos nós
- uma operação mecânica
permite sempre duas intenções

- haja para isso
outras pálpebras bem erguidas
sem o tapume de outros véus

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

8432 viúvas
passeiam-se insolúveis
como uvas
de estragada parra - de farra tramada
valem muito - não valem nada

viúvas em número de 8432
umas alheias - outras janotas com andeiras
às ilhargas - caveiras
e deleite estampado nos rostos

caminham
sem eira - nem beira
não são bem - nem mal
apenas vão acompanhadas de seu igual
num e noutro dias
destilo esperança
por toda a epiderme

recolho as gotas
e faço-as evaporar
- junto os cristais

queimo os cristais
e reduzo-os a pó
- aconchego-o na mão

passo a poalha
por uma ciranda
- anoto o que fica

guardo na algibeira
que descubro rota
- ao chão o que é chão
há o nevoeiro da complexidade
em todas as definições

sei-o cada vez mais
e sinto o bafo de maquiavel

junto à orelha saliente
em fôlegos de palavras rasantes

[entre um voo existencialista
e a profundidade impressionista

escolham os sentidos]
a verdade é que prossigo a derrota

_________

há o refúgio na complexidade
líquida das definições

digo eu que ouço um cão
a ladrar ao ouvido

profecias do fim
iminente ou idiótico

[entre os meandros do irrelevante
venha o diabo e escolha]

viro a testa e desapareço
a contentar o dia-a-dia

________

há o escudo da complexidade
- e da claridade - das definições

digo para mim que sinto
o príncipe a murmurar

invejas e proventos
do passado e do futuro

[entre o sucesso e o insucesso
escolha-se o que tiver de ser]

viro as costas e faço rumo
a arrostar o tempo

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

pássaro

pássaro de mel
pássaro de fogo

pássaro cristal
pássaro demiurgo

o teu grito atroz
é o relâmpago do degelo

[em chamas o eucalipto
em carvão o dragoeiro]

pássaro na tormenta
raio de luz que trespassa

pássaro insígnia
pássaro cruz

pássaro brisa de sal
pássaro melodia

o teu grito sibilino
nos ouvidos ecoa – lâmina

roças as tuas penas
na sempiterna arriba

[o sempiterno afago
que é do teu olhar]

água bebo – fria –
do teu ventre

[o ventre do vírus
pássaro meu invólucro]

o teu grito pulveriza
as matérias em redor

grito cristal
que é a vida minúscula

[em toda a célula
em toda a arquitectura]

o teu grito incendeia
as alamedas em síncope

o grito assassino
que dos teus lábios brota

é a origem dos esgares
que de todos os lábios fluem

o teu grito palavra
o grito poema

somam as peças do jogo
e trespassam as regras

o teu grito quebra
as sombras aladas

pássaro de musgo
pássaro líquen

pássaro azul cinza
pássaro cabo do mundo
o filantropo
exige 3 redes
sobre o abismo

o libertário
garante a tensão
da corda-bamba

o primeiro é herói
ao cair

o segundo é besta
ao ficar

sábado, 9 de fevereiro de 2013

tudo

menos a subconsciência da esterilidade
- a manhã assustadiça acossada pela luz
escondida na esquina do quarto
de garganta a fibrilhar como o insecto

retirai tudo

menos a inconsciência das pedras angulares
- a manhã a tarde a noite mescladas
aspergidas em qualquer canto da urbe terrestre
de vísceras murmurantes como o sismo