quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

nada do que te disser
abalará o matadouro ou a fornalha

o silêncio seria uma hipótese administrativa
mas rasgo-o porque quero viver

o meu epitáfio estará sempre escrito
nas linhas que bordam a tua ferida

sempre dito nos bafos que levam
e fazem pousar as asas das cinzas

é bom que o saibamos
antes e depois dos holocaustos

se desprezarmos as palavras
tudo é transmissível – tudo se assemelha

emergem némesis siamesas
e oposições forjam-se do mesmo veio

por isso sufoco o silêncio
dos rituais servos – da burocracia funcionária

– cicatriz à tua ilharga
é chaga minha

– o que te faz flama e queda
é o que me fará recordar

[Versão de poema publicado na colectânea 70 Poemas para Adorno, Funchal, Nova Dephi, 2015.]

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

isto da amizade entre poetas
tem – portanto – muito que se lhe diga

há aqueles que prometem amizade eterna
– noite fora – álibi dentro

outros colocam os amigos nos himalaias
– maior a distância – maior o descaso

todos procuram o melhor remate
para um poema – para um desfecho fadado

com meia dúzia de caralhadas ou trocadilhos
pelo meio – como dita a nova lei

a arte cavalga o dorso da vida
– é isto ou o contrário disto – não interessa

um remate – portanto – 
ou um aperto de mãos – na caveira