domingo, 15 de janeiro de 2023

e nunca a palavra vazio
me soube tão acre

e tão cega e tão gutural
- perde-se me a voz

vazio mais vazio é
impossível -

digo atrás de mim
na plena convicção

digo apesar de mim
ainda na convicção

de botar passo
esquecendo passos

a estrada é tão igual
adiante e lá atrás
o homem que aspira à liberdade
encoraja e desencoraja a morte todos os dias

sofre os abalos mudo e amarelecido

a liberdade não dá de barato as confidências
e ocupa toda a alma entumecida

o homem que quer ser livre

não tem cara - tem feições
não tem morada - tem a rua
não tem membros - tem selo e lacre
não tem calor nem frio - tem medo
não tem amarras - tem grilhetas de ferrugem
não tem amor e não tem filhos -

o tempo acaba sempre ali mesmo
quer venha ou não a morte
estou limpo e sucinto afinal
de toda a maledicência

engulo-a como ao tornado
que as mãos arrepanha

e aos sons grotescos
e à surdez da posteridade

sirvo-me depois nódoa
à mesa da aristocracia

para poder ela
degustar o suor

que do meu corpo
flui ácido

sirvo de argumento estanque
idiota útil e enxuto

simples no dever
e frouxo ao devir

no ínterim peço
a brancura

sobre o suor
e a sujidade ganha

desejo uma imagem
após outra imagem

ao canto esquerdo
levanto-me pois formidável

e corcunda enfiado
ao canto direito sou

de resto quero saber
o autor de tal cena

sucinto e desiludido afinal
tomo a cinza e a cal

e vou com sede
à minha vida